segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

O Grande e o Pequeno

Que papel lhe cabe melhor?


"Todo caso de amor tem um grande e um pequeno. Alguém um dia falou, em francês, que em todo caso de amor il y a toujours qui aime et qui se laisse aimer. É mais ou menos a mesma coisa. O pequeno ama, o grande se deixa amar. O grande fala, o pequeno ouve. O grande discorda, o pequeno concorda. O pequeno teme, o grande ameaça. O grande atrasa, o pequeno se antecipa. O grande pede, ou nem precisa pedir, e o pequeno já está fazendo.

Não é uma questão de gênero. Existem homens pequenos e homens grandes, mulheres grandes e mulheres pequenas. O temperamento e as circunstâncias influem, mas não determinam. O grande pode ser o mais bem-sucedido dos dois ou não. O pequeno pode ser o mais sensível, mas nem sempre é assim. Muitas vezes o grande é o mais esperto, mas existem pequenos espertíssimos. Depende do caso. Como ninguém descobriu, até hoje, uma regra que permita determinar qual é o grande e qual é o pequeno, só observando o casal mais atentamente. Na rua, o que anda distraído quase sempre é o grande. Quase sempre, no cinema, o grande só decide comprar pipoca depois que os dois já estão acomodados nas poltronas. O pequeno, então, fica esperando, vigiando, tomando conta para o filme não começar antes de o grande voltar, o que, por algum motivo, seria uma tragédia. Numa festa, o pequeno deve estar ansioso para que a noite seja boa, principalmente se foi ele que sugeriu o programa. O grande se comportará de maneira indiferente até se embriagar pela música, pela bebida ou pelo ambiente, quando então ficará muito mais animado do que o pequeno. Mesmo que o pequeno dance bem, o grande sempre dançará melhor. O pequeno evita o silêncio porque tem certeza de que a culpa é dele, por isso sempre tem arquivados na cabeça assuntos que possam ser úteis em todas as ocasiões. A calça nova do pequeno dificilmente lhe cai tão bem quanto a do grande, assim como o cabelo do grande está sempre melhor que o do pequeno, ainda que a festa inteira pense exatamente o contrário. O pequeno geralmente se comove com a lua calado, enquanto o grande aponta, olha só a lua. No final da festa é sempre o pequeno que quer ir embora, reservando o melhor da sua alegria para o resto da noite, enquanto o grande se despede dos amigos displicentemente. Mais tarde, o pequeno é macho, é gueixa, é desgraçado, é exclusivo e, se o coração do grande por acaso ouvir seus gritos, que sorte. No dia seguinte, o pequeno estará inevitavelmente preocupado: será que fiz tudo certo? Acho que eu não devia ter dito aquilo. Por que toda vez sou eu que beijo primeiro? Na dúvida, vai correndo procurar o grande, apesar de ter prometido que nunca mais faria isso.

O grande e o pequeno podem ser de qualquer espécie, inclusive bichos, com exceção dos gatos, que são todos grandes. Não necessariamente formam um casal. Não é só nas histórias de amor que existem grandes e pequenos. Havendo mais de um, um par qualquer, dois adversários, dois irmãos, dois amigos, sempre haverá o que quer mais e o que quer menos, o fascinante e o fascinado, o generoso e o pedinte. Mas como tudo pode acontecer, senão nada disso ia ter graça, a qualquer momento, por alguma razão, geralmente à noite, imprevisivelmente, o grande pode ficar pequeno, e o pequeno ficar grande de repente. Basta um vacilo, um acaso, um cair de tarde, um olhar mais assim, um furacão, uma inspiração, uma imprudência. Quando isso acontece, é comum o pequeno ficar maior ainda, o que torna automaticamente o grande ainda menor. O ex-pequeno, logo que é promovido a grande, pode se vingar do ex-grande, se seu sofrimento tiver boa memória. Aí, coitado do novo pequeno, vai se arrepender de cada não beijo, cada não telefonema, cada não noite de insônia, cada não desespero, cada não entusiasmo, cada não carinho inesperado, indispensável, inevitável, imprescindível, cada não todas as palavras apaixonadas em qualquer língua do mundo. Ele vai se surpreender com a reviravolta, no começo, mas vai se conformar com sua nova condição de pequeno em seguida. E então vai seguir, cuidadoso e desastrado, na quase inútil intenção de conquistar o grande urgentemente."

Adriana Falcão.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Leão encontrou Aquário...

 Aquário desejou sair de casa. Estava um pouco cansada da rotina de seus dias e, embora não procurasse algo novo naquele momento, também não descartava a possibilidade de nutrir uma estranha esperança.

Sentada à mesa de um restaurante japonês, ouvia vozes de pessoas a sua volta e logo percebeu que estava sozinha. Olhava o vidro molhado daquela janela fumê. Chovia lá fora.

Leão havia decidido não beber naquele fim de semana. As gotas do calmante prescritas pelo doutor Samuel pareciam fazer algum efeito. Seu corpo estava cansado. Sua saliva já meio acre dos desencontros da vida. Faltava descobrir novos sabores. Faltava muito pouco...

O telefone tocou. Era mais um convite, mais um. Seus amigos esperavam no mesmo bar de sempre. Mas Leão queria novidade. Mas Aquário queria novidade. E todas as pessoas tinham o mesmo rosto. E todas as pessoas tinham o mesmo rosto. E todas as pessoas, o mesmo...

Foi um encontro casual. Leão, finalmente, encontrou Aquário.

Pouco foi dito. Havia uma economia de palavras. Mas talvez o silêncio tenha despertado em Aquário a curiosidade de saber mais sobre Leão.

Foi mágico! Ar e fogo .

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

“Por onde andei?”

Muitas pessoas têm blog porque, de alguma forma, querem usar essa ferramenta com a finalidade de um diário online. Talvez esta tenha sido a minha idéia inicial também. Embora eu não seja apta à regra, ao compromisso de compartilhar as minhas subjetividades, sempre achei sedutor imaginar as sensações que as palavras escritas podem causar naqueles que as lêem.

 Não foi intencional minha ausência, só estava experimentando a vida. Rompi, finalmente, um cordão umbilical que me acompanhava há 32 anos. E é no momento de mudança que podemos mensurar aquilo que conseguimos durante a vida. Tudo coube no lado esquerdo de um quarto vazio. Meu tudo é pouco. E o pouco hoje já não me satisfaz. Quero mais, mais... Mas não (só) bens materiais. Refiro-me, sobretudo, a ter cada vez mais vontade de não perder a vontade, de não perder o encanto nos encontros.

E foi um encontro inesperado, meu quarto!  Uma estrangeira longe de seu país (pais). Eu queria me aventurar nas curvas geométricas do lugar. E me senti preenchida na imensidão daquele vazio. Só quem me conhece compreende o que se esconde atrás desse jogo de palavras.  

Não precisamos ir muito longe, atravessar uma ponte já pode ser suficiente para descobrir um mundo novo do outro lado.